Garagens praticam esquema para vender carros zero KM
Empresas compram veículos para locação, mas revendem a consumidor final
Um esquema colocado em prática por dezenas de garagens de venda de automóveis, em Mato Grosso, começa a ser investigado pela Delegacia Fazendária e pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado), ligado ao Ministério Público Estadual. Segundo fontes do MPE, o esquema, que funciona há mais de dois anos, é operacionalizado da seguinte forma: empresários do ramo de venda de automóveis usados, conhecido como "garagistas", abrem empresas "fantasmas" no ramo de locação.
Como atrativo para as vendas, os garagistas repassam a maior parte do desconto, algo entre 10% e 15%, praticando concorrência desleal no mercado e, ao mesmo tempo, deixando de recolher impostos ao Fisco estadual.
"O esquema começou de forma tímida, mas agora está generalizado no mercado de Cuiabá, Várzea Grande e dezenas de cidades do interior, como Cáceres, Rondonópolis e Tangará da Serra", afirmou uma fonte do MPE.
Autoshopping Fórmula
Em diversas empresas do setor é possível se constatar o esquema. São o caso da Dandauto Automóveis, Zalen Veículos e KitoKar Automóveis, todas com lojas no AutoShopping Fórmula, na Avenida da FEB, em Várzea Grande. Através de contato pessoal, a reportagem do MidiaNews simulou a compra de um automóvel Gol Trend, da marca VolksWagem, ano 2009/2010, completo.
Um dos vendedores da Dandauto Automóveis, de nome Vitor, afirmou ao repórter que conseguiria vender o carro com valor de até R$ 2.000,00 a menos que na concessionária.
"Pode trazer o preço da concessionária que daremos um desconto entre 10% e 15%. Entregamos o carro no mesmo dia. O único detalhe é que você terá que esperar 6 meses para transferir o veículo para o seu nome", afirmou.
Questionado sobre o porquê da demora na transferência, o vendedor afirmou: "É que a gente compra esses carros como frotista, o que nos garante o desconto da fábrica. E temos que ficar com ele pelo menos seis meses em nosso nome. Mas você recebe um contrato de compra e venda e uma cópia do DUT autenticada. Não tem erro, já vendemos mais de 30 carros assim e nunca deu problema", afirmou o vendedor.
Outro detalhe é que os carros já vêm emplacados. "Para comprar como frota, temos que fazer o emplacamento imediatamente. Então eles estão emplacados e com os documentos prontos. Mas não há problema, porque conseguimos financiar o carro em seu nome", explicou o vendedor, sem qualquer tipo de constrangimento.
Segundo fonte da Delegacia Fazendária, há a estimativa de que mais de 1.200 carros já tenham sido comercializados através desse esquema nos últimos 18 meses em Mato Grosso. Um veículo com custo na faixa de R$ 25 mil acarretaria, por conta da diferença de alíquota de ICMS na venda a locadoras, na sonegação de um valor aproximado de R$ 500,00 ao Fisco.
"Ação tímida"
Apesar de conhecer o esquema e já ter iniciado o combate à prática, a ação da Secretaria de Estado de Fazenda é considerada "tímida" por concessionárias de Cuiabá, que se sentem lesadas pela concorrência desleal.
"Os garagistas atuam livremente, na cara dura, colocando esses carros de frota na frente de suas lojas e em sites na internet. Isso é um absurdo, não sei por que o Estado não acabou de vez com isso", afirma o diretor de uma concessionária, que pediu para não ser identificado por temer represálias.
No mês passado, de fato, a Secretaria de Estado de Fazenda apreendeu trinta veículos nessas condições. Os fiscais nomearam os revendedores dos automóveis como fiéis depositários, que tiveram cinco dias para prestar esclarecimentos à Sefaz.
Segundo a secretaria, há a confirmação de que as irregularidades têm início nas operações de venda pelas montadoras de automóveis e se estendem às revendedoras e aos consumidores.
"Não vou vender mais desse jeito"
O empresário Adailton Antônio da Silva, proprietário da Dandauto, confirma que realizou vendas através desse sistema de frota. "Eu vendi uns 13 carros. Foi uma maneira que a gente encontrou para não falir, porque o mercado está atravessando dificuldades. Mas eu fui multado na semana passada pela Sefaz, vou ter que pagar a diferença de imposto, e decidi parar de vender desse jeito", afirmou.
Segundo ele, além da garagem ele possuiu uma empresa de locação. "As compras são legais, mas na hora da venda tem a diferença de imposto. Agora, eu só não entendo porque só três empresas foram denunciadas e punidas se a Cuiabá e Várzea Grande inteiras fazem isso? Tem mais de vinte empresas operando assim e só a gente é multado?", questionou. Ele afirmou que, além de sua garagem, apenas a Zalen Veículos e Kitocar Automóveis também foram multadas.
"Ainda tenho uns seis carros que vou vender, porque paguei a diferença de imposto, mas não vou comprar mais carros nesse sistema porque não quero problemas", afirmou.